Mais do mesmo (Parte II de 2)Olá! Ontem eu estava pensando...uma das coisas mais prazerosas e gratificantes que se tem no cotidiano do círculo social é se perceber ser digno da confiança de outras pessoas. Falo isso por causa de algumas coisas que às vezes acontecem...desde situações mais fechadas, de cumplicidade, confidencialismo (se não existia esse vocábulo, passa a existir agora...pois ao que sei, "confidência" é a informação secreta em si, e não o ato, a atividade...) até situações menos intrínsecas ao relacionamento direto entre as pessoas.
Ontem foi por uma questão especial, mas que já se repetiu em outras situações, quando dos meus estudos com o
Falco peregrinus no meio urbano. Para fazer as observações, e principalmente somar as observações aos registros fotográficos, muitas vezes eu preciso estar em alguns pontos não muito usuais, mas que são os únicos que permitem alguns privilégios.
Em Salvador eram os terraços, casas de máquina e caixas d'água dos prédios mais altos de um dos bairros mais densamente "prediados" da cidade, assim como cobertura de hotel, varanda de academia de ginástica...e por aí vai!
Em Conquista o
Falco que lá acompanho (ou, agora, acompanhava, infelizmente), só tem 3 pontos de atuação e apenas uma base para cada um...então era mais fácil. E lá alguns dos pontos que eu visitava eram justamente os apartamentos do prédio mais alto da cidade, utilizado religiosamente pelo
Falco. Em especial eu visitava não para observar, mas para fazer fotos panorâmicas da área de caça e principalmente coletar restos de caça, que ficavam acumuladas aos montes nos canteiros pouco visitados pelo moradores, onde o
Falco costumava ficar.
Mas então...num tempo onde a gente anda morrendo de medo da própria sombra e desconfia do som dos próprios passos, poder ter acesso a alguns desses pontos é se fazer merecer muita confiança por parte de algumas pessoas...
Não é muito fácil imaginar que uma pessoa, seja quem for, consiga por meio de um diálogo simples e por vezes pouco convincente (convencer de que gostaria de subir ou ter acesso a X local para observar um falcão que vem de longe e fazer enxergar relevância nisso, nem sempre é muito fácil), ter acesso a propriedades privadas, cheias de controles de segurança, regimentos, etc.
Ontem por exemplo, foi legal...estava eu observando e fotografando o
Falco de dentro da torre da catedral...mas era domingo, e a catedral só permanecia aberta enquanto a missa matinal estivesse rolando.
Tudo bem...lá fui eu pra torre, atento ao som do padre cantando ao microfone e dos fiéis respondendo em uníssono. Afinal, o fim da missa era o sinal de que era hora de eu descer, caso contrário ficaria preso pelos dois portões de ferro e um portão de madeira, que separam a torre da ala principal da Catedral. Por garantia deixei um aviso de que eu estaria lá em cima...
Consegui observar e fotografar o falcão por 4 horas e meia...benditas baterias recarregáveis..dessa vez foram mais eficientes do que eu poderia prever...
Eis que a missa acabou...enquanto ainda ouvia as vozes das pessoas conversando no entorno da catedral, permaneci um pouco no alto da torre, fotografando. Até que veio a mim um funcionário do recinto "catedrástico" avisar-me de que a catedral já seria fechada naquele momento...avisei que iria subir pra arrumar as coisas e descer novamente...
Levei ainda uns três minutos fazendo umas últimas fotos, pois o Sol antes intimidado pelas nuvens aos poucos parecia se animar em entrar em cena, vazando a cortina prateada no céu.
Quando desci tomei um susto...tudo escuro no decorrer da escadaria abaixo...pensei: "putz, fecharam o portão de madeira!!'
Bateu logo a sensação seca de certeza de estar preso ali...antes mesmo de chegar no portão...e junto com a certeza a lembrança de que no bolso tinha um celular sem crédito...e que teimava em não fazer ligações a cobrar...eu tava ferrado!
Quando enfim cheguei no portão...o diacho realmente estava fechado...mas...apenas fechado...sem passar a chave...e bastou um pouco de jeito para abrir, já que a maçaneta pesada na madeira densa era um pouco dura, o que de início me fez achar que estaria mesmo trancada!
Ao sair da catedral, encontro, já indo pro seu carro, o chefe/diretor da mesma, que muito simpaticamente me pergunta: "Oi, tudo bem, e aí, tá observando seu falcão, é? O bicho não sai daí, né?"
Eu confirmei, acrescentando que dessa vez consegui fazer umas fotos melhores, já que enquanto tava tendo a missa, eu consegui observá-lo da torre, enquanto a catedral não fechava. Qual não foi minha surpresa, quando o padre/chefe, então me perguntou se eu não queria ficar observando o falcão mais tempo... Eu, sem entender, perguntei: "ué, mas não já fechou a catedral??"
Ele então disse que sim, que ele já tava tbm de saída, mas que eu podia ficar lá o tempo que quisesse, que bastava depois eu bater os portões e trancar o que era de ser trancado... Achei isso legal...é confiar demais numa pessoa que nem conhece direito senão de umas poucas esbarradas enquanto ele chega na catedral pela manhã cedo e me encontra do lado de fora, já de caderno e câmera em mãos acompanhando o rapinante viajeiro...
Digo isso porque a catedral não é uma igrejinha à-toa...é uma puta catedral, linda por dentro, cheio de coisas...é o cartão postal mais conhecido da cidade, depois de algum outro cartão que eu não sei qual é, mas deve ter sim...
Pois sim...agradeci bastante ao padre a gentileza e confirmei que teria o cuidado de fechar tudo...e então voltei escadaria acima para o meu point de observação. Permaneci lá por mais algumas horas...
Estou começando a usar uns esquemas para fazer o falcão não se intimidar muito com essa minha presença mais próxima (peregrinos são extremamente desconfiados e cautelosos...um movimento próximo e eles batem asas...eu que o diga, nas minhas inúmeras tentativas de fotografá-los a distâncias que variaram entre 1m (óbvio que sem o bicho me ver) e algo menor que 10m. Já que o invasor sou eu e o objetivo a fazê-lo continuar adotando os seus pontos de pouso, mesmo sabendo da minha presença, passo então a não evitar minha aparição...e pelo contrário, fazê-lo me perceber e então se acostumar com minha inofensiva presença nas proximidades do seu ponto de pouso...tanto que ontem fui de camisa vinho, me evidenciei bastante e até arrisquei sair um pouco da torre, para até onde meu medo de altura permitisse...rs! Essa é uma maneira de fazê-lo apressar a confiança na minha aparição, para futuras visitas mais próximas...
Na saída, ao atravessar o salão principal da catedral para sair de vez para a rua, observei que é realmente bonito lá dentro...fiz até umas fotos, apenas pela beleza artística e arquitetônica, já que o âmbito meramente religioso da coisa não me atrai tanto...
Confesso que meus dedos coçaram ao avistar um teclado enorme que estava lá, plugado num amplificador...deu uma vontadezinha doida de ligar o bicho e me deleitar...rsrs!! Mas eu jamais faria isso...jamais...hum... acho que se no lugar do teclado tivesse era um bendito piano de cauda, esse "jamais" teria perdido sua função ética na minha consciência naquele instante!
Abreijos a todos e seguem algumas fotos....primeiro do
Falco peregrinus...depois, do interior da catedral...
Té logo!
obs: clique nas imagens para vê-las ampliadas.
"Vamos ouvir calados a sinfonia dos ventos nos vitrais. Numa catedral, numa fábrica, num apartamento escuro, no meio dos arranha-céus"